... do luto das florestas...

Sofremos de novo o pesadelo das nossas florestas serem consumidas pelo fogo, por norma, provocado pela maldade ou estupidez humana.
Ainda hoje a palavra lar está ligada à quase sobrenaturalidade do fogo...Recordo ainda as mulheres nas aldeias, sobretudo ao fim do dia, procurarem na casa duma vizinha a caridade de uma brasa... tinha-se-lhes apagado o lar e não tinham como preparar a ceia para a família.
Era então uma altura em que quase não havia fogos florestais. Porém, ardiam os prédios com mais facilidade, tanto nas grandes cidades, quanto nas aldeias: sobretudo pelo desleixo de uma vela acesa, e  por causa dos tabiques que separavam os  muitos ou poucos habitáculos. Menos eram os incêndios  nas aldeias, porque os vizinhos se interajudavam procurando soluções, ou pondo-as em prática quando encontradas. 
A palavra solidariedade, pesadona e desconhecida, não existia nesses recuados tempos, pelo menos no vocabulário do povo analfabeto. Mas esse mesmo povo temia o fogo e aprendia tanto a amá-lo quanto a defender-se dele e a combatê-lo. E para poder controlá-lo, no dia-a-dia, a seu favor, limpava as matas dos vizinhos ou grandes proprietários, incorrendo na sanha destes e pagando com dias de cadeia o acto praticado, considerado furto.
 Era por essa razão que os pais mandavam grupos de crianças limpar as matas, ainda  tamanhinhas...Se levadas pelos guardas faziam menos falta em casa do que os adultos, para que não morresse de fome o resto da família. Havia contudo o perigo de serem apanhados e enviados para asilos, as instituições correccionais ao tempo para os menores mais prevaricadores, ou sem família...
Por estas e outras razões - e outras tantas são... - os chefes de família começaram a emigrar para lugares longínquos tentando conquistar o seu lugar ao sol. Na maioria bem sucedidos, regressaram logo que puderam e vieram adquirir terras e pinhais a quem lhos quisesse vender, num acto quase de vingança contra os proprietários que tanto os tinham sacrificado outrora. Compraram terrenos, casas, palacetes, tudo o que podiam...Regressavam nas férias para construírem uma casa semelhante às dos burgueses do país que os acolhera como subalternos. Agora, no seu país de origem, eram senhores de terras, pinhais, cafés, o que houvesse e o seu tão suado dinheiro pudesse comprar...
Por fim, até  mercaram acções nos bancos da sua simpatia e confiança.
Passaram anos. Sem mão de obra e sem meios para implementar melhorias, as terras foram abandonadas ao seu destino. A maioria dos emigrantes bem sucedidos, proprietários abastados cá dentro, não regressou em definitivo ao seu país porque os filhos se recusaram a voltar com eles. Assim sendo, os lugares estão hoje cada vez mais desertos ou com um mínimo de moradores muito idosos. As crianças que outrora ajudavam em tarefas do campo e domésticas, se as há, estão impedidas por lei de trabalharem junto dos pais ou avós e dedicam-se, não a estudar para aprenderem, mas a vadiar... tanto nas grandes urbes, como nas aldeias, isto se ainda por lá houver crianças...
Antigamente, para aprenderem a ler, a escrever e a contar, faziam quilómetros a pé, quer estivesse neve ou dia soalheiro, por caminhos enlameados e poeirentos por onde circulavam cabras e homens... Hoje as câmaras, ou juntas de freguesia, oferecem transporte quase porta-a-porta, e os jovens saem das escolas e mal sabem ler, escrever e contar. E agradecem as benesses recebidas- e saídas dos nossos impostos - desrespeitando e vandalizando tudo em que tocam, a começar por si mesmos, pelos colegas e amigos, pelos muros e mobiliário da escola, acabando na pessoa de pais, professores, pessoal auxiliar e qualquer outra autoridade... Não raro este comportamento nasce do exemplo dos próprios progenitores, como todos estamos carecas de saber...
NÂO! Algo vai muito mal no reino da Dinamarca!...  
Ou seja, deixando de lado a paráfrase shakespeariana, na república de Portugal.

O luto das nossas florestas traduz todo o drama de uma nação que não aprende com os erros do passado e não é capaz de precaver, ou preparar, o seu futuro.

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