...o começo de algo no instante...

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« (...) Cada instante só aparece para trazer os que se lhe seguem.Sinto-me ligado a cada um do fundo do coração: sei que ele é único, insubstituível - e não faria, porém, um gesto para o impedir de voltar ao nada.(...) Debruço-me sobre cada segundo, tento esgotá-lo: nada se passa que eu não note, que não fixe em mim para todo o sempre nem a ternura fugitiva duns lindos olhos, nem os ruídos da rua, nem a claridade dissimulada da manhãzinha: e entretanto o minuto corre, e não o retenho; gosto que passe.»
 O texto acima foi lido in "A Náusea" de Jean-Paul Sartre

... Numa anotação a lapiseira, em minúscula caligrafia tombada, quase ilegível, nas margens da página, duas anotações: tudo isto eu já senti, quando muito jovem. Depois da expressão, no fim do parágrafo citado: "gosto que passe", em caracteres agora bem direitos, determinados: (eu não!). Tudo isto percebe-se que em jeito de desabafo...
Décadas depois, numa releitura ocasional, a noção do instante vivido toma uma outra dimensão dentro de mim: há instantes de instantes e alguns gostaria de nunca os ter vivido - se do passado - mas mesmo esses foram tão meus que teria de renegar o que sou porque ajudaram a formar o cerne do quem em que me tornei, do hoje. E não me preocupo minimamente em querer analisar em demasia o porquê - não serviria de nada e sou muito pragmática, ou, pelo menos, uma parte de mim é-o de forma categórica.
No fim de uma vida onde existiu, viva, sentida, a dor de viver, sentida em permanência no peso do viver de outros sobre nós, - connosco, além de nós - todos os instantes foram tão nossos, que, quer se queira, ou não, são substância da pessoa em que nos tornámos. Fizeram parte da nossa evolução.
E isso para sempre.
E é nessa medida que o sempre nos pertenceu, e pertence, dentro do instante.

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